Ela caminhava decidida, enquanto
a barra do seu vestido branco arrastava pelo chão lamacento. Durante a noite
passada havia chovido muito. Mas pouco lhe importava a sujeira, ou o céu
coberto de nuvens cinza. Nada mais lhe importava se não o desejo de encontra-lo
e a necessidade de cumprir a sua promessa. E ela cumpriria custasse o que
custasse. Mas antes que eu lhes mostre o que está por vir, talvez eu deva
mostrar alguns fatos importantes para que vocês entendam o que a levou a chegar
até aqui.
Era uma vez...
Numa época em que a nobreza
significava poder, um Marquês que morava numa mansão digna de um rei. Ele
acumulou muitas riquezas e era respeitado por todos, inclusive pela família
real. Depois da aquisição de algumas terras na província do sul, ele resolveu
dar um grande baile para comemorar e quem sabe assim conseguir um noivo para a
sua única filha, Isabel, que ainda não havia sido compromissada com ninguém.
Isabel era uma jovem muito linda,
talvez a mais bela do reino. Sua pele era tão branca quanto as porcelanas de
sua mãe. Seu longo cabelo caía como uma cascata até a cintura. Seus olhos cinza
tinham aquele ar de mistério das manhãs de neblina. E seus carnudos lábios rosa
eram os mais perfeitos que já foram vistos em todo o reino. Nessa noite ela
pusera um lindo vestido turquesa com uma saia rodada farta em camada de seda e
véu. Por cima um corselet cinza com pedras de brilhante rosa espalhados por
toda a cintura.
Depois de alguns minutos no
baile, seguindo as ordens da sua mãe que a mandou desfilar toda sua beleza para
que as demais jovens a invejassem e cavalheiros a desejassem, ela resolveu
tirar um tempo para si mesma. Então saiu para tomar um vento, sentir a brisa da
noite encher seus pulmões. O jardim estava quase vazio, apenas algumas meninas
brincavam desfilando seus vestidinhos como se fossem princesas em miniatura. Ela
procurou um banco que ficava perto das roseiras e lá se sentou olhando as rosas
tão perfeitas, que fariam inveja a qualquer outra flor.
De repente Isabel sentiu-se como
se estivesse sendo observada. Ela procurou ao seu redor e foi aí que ela o viu
pela primeira vez. Encostado na janela do salão de baile. Ele era alto e seus
cabelos loiros caíam sobre os seus olhos, aos quais ela não conseguia ver
direito devido a distância. Ele tinha a pele tão clara quanto a sua. Isabel
sentiu seu coração errar um compasso.
Esse jovem era Henrique, um nobre
cavalheiro filho mais novo de um duque que lutou durante muito tempo ao lado do
rei e que agora largava a batalhas para dedicar-se as suas terras. Henrique era
tão valente quanto o pai e desejava ser igual a ele. Um guerreiro forte e
indestrutível. O amor nunca havia tocado o seu coração, não até aquele momento.
Observando a jovem que apreciava as roseiras ele sentiu seu coração disparar.
Ela é tão bela que a lua deve sentir inveja, pensou.
Isabel não sabia o que estava sentindo. Mas o
mundo parecia ter deixado de existir no momento em que ela viu aquele rapaz
contempla-la à distância. E seus olhos pareciam ter tomado as rédeas por contra
própria e não queriam para de retribuir o olhar dele. Num momento de
consciência ela levantou-se e entrou procurando ficar longe da janela em que o
tinha visto. Quem é ele? Pensou.
Ela rodou o baile por um breve
momento até que sentiu alguém puxar a sua mão. Quando olhou para ver, ela pensou
ter esquecido como se respira ao encontrar os olhos do seu observador tão
azuis, quanto o céu durante o verão.
– Permita-me a honra de uma
dança? – perguntou Henrique com a voz aveludada e educada.
Isabel não conseguiu negar, mas
também não disse nada. Apenas deixou que ele a conduzisse. Enquanto valsavam
pelo salão, o mundo pareceu deixar de existir. O chão não sumiu sob os seus
pés, eles flutuavam como se estivessem voando pelo vazio. E de repente, só
havia uma certeza para ambos, eles não queriam que esse momento acabasse. Ele
merecia ser eterno.
– Posso saber a sua graça? –
perguntou Henrique.
– Me chamo Isabel, sou a filha do
Marquês que está dando este baile. E você?
– Sou Henrique, filho mais novo
do Duque Augusto.
Ela imediatamente lembrou-se do
nome. E uma comoção lhe encheu o peito.
– É filho do grande Duque
Augusto, guerreiro do rei Afonso? – Ela abriu um lago sorriso – Ouvi muitas das
histórias do seu pai. Meu pai é um grande admirador dele. Para ele só há um
homem que mereça respeito igualmente ao rei. E este é seu pai.
– Não sabes o quanto fico feliz
em saber disso. Isso tranquiliza meu coração.
Outra vez o coração de Isabel
perdeu uma batida. O que ele quer dizer
com isso? Mas enquanto um forte
desejo crescia em seu peito ela ouviu a voz da criada chamar por ela, e parte
do encanto fugiu do ambiente.
– Minha senhora, vossos pais
estão te procurando.
Ela olhou para Henrique e seu
coração apertou ao saber que o deixaria. Mas ela não precisou dizer nada. Ele a
olhou com aqueles olhos profundos e disse que fosse.
– Nos veremos outra vez? – Ela
perguntou
– Se assim deseja. Virei vê-la.
Sempre. – ele despediu-se beijando a mão dela e depois saiu sumindo entre as
pessoas que nem notaram o amor que havia surgido naqueles dois corações.
Passaram-se semanas depois do
baile, e nos corações de Henrique e Isabel crescia o sentimento que urgiu
naquela noite. Assim como a vontade de se reencontrarem. E esse seria saciado
hoje, pois o Marquês havia anunciado mais cedo um jantar especial para alguns
amigos. Ele iria fazer um anúncio muito importante. A Marquesa disse à filha
que vestisse o vestido mais bonito que tivesse. Pusesse a essência mais
perfumada. Ela deveria estar mais bonita do que na noite do baile. E Assim
Isabel fez, mas não em atenção ao pedido da mãe, e sim por querer estar linda
para um convidado em especial.
Quando ela desceu para o salão
foi surpreendida por uma voz que ela conheceria até debaixo d’água.
– Continua tão linda quanto as
estrelas. Tão perfumada quanto as rosas, e tão delicada quanto a seda. –
indagou Henrique.
– Obrigada. Mas são teus olhos
que enriquecem a minha beleza.
– Eles não têm tamanho poder. E
sem poder admirar a tua beleza eu preferiria ser cego – ele respondeu enquanto
inclinava-se para beijar a mão de Isabel.
– É um mentiroso, há muitas
jovens belas a quem se admirar pelo reino, deve dizer isso a todas.
– Não há ninguém além de ti,
minha marquesa.
Ele a olhou e como no baile o
mundo inteiro sumiu ao seu redor. Ele a puxou para um canto embaixo as escadas
onde ninguém que passasse os visse. E o ar que existia entre eles foi
desaparecendo. Seus olhos se encontraram e neles suas almas se reconheceram. Eles
se amavam, e isso era o que bastava pra que eles entregassem seus corações. Tão
próximos, o espaço entre eles foi desaparecendo e num segundo seus lábios se
tocaram. Tão perfeitos um para outro. O beijo foi tão breve quanto suave e
quando terminou, não havia dúvidas de que seria assim para sempre.
– Soube que seu pai fará um
anúncio durante o jantar – Henrique falou
– Eu sei, mas nem ele nem mamãe
me disseram o que se trata. – ela disse enquanto se afastavam um pouco. Só o
suficiente para que eles pudessem se olhar.
– Vou pedir a sua mão, logo após
o anúncio. E se seu pai gosta tanto de meu pai, tenho certeza que não me negará
esse pedido – ele disse confiante.
– E nós seremos felizes para
sempre – Isabel disse sem nem pensar, apenas porque era isso a verdade.
Enquanto estivesse com ele seria a mulher mais feliz do mundo. E ninguém iria destruir
isso.
Durante a espera pelo jantar,
Isabel não conseguia conter a ansiedade. Seus pensamentos giravam em torno de como seria seu futuro ao
lado de Henrique. Eles trocaram olhares discretos e apaixonados por quase todo
o tempo. Quando todos se dirigiram ao jantar, o pai de Isabel pediu a palavra e
foi assim que o rumo dos planos dos dois mudou.
Continua...
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